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Saco meio, saco cheio

por MCN, em 26.01.14

Foi Manuela Ferreira Leite, a nova estrela eleita pela direita, juntamente com Bagão Félix, para a comunicação social vender como a alternativa séria, por dentro, ao projecto de governação da coligação, quem fez o alarde.

O governo, mais explicitamente, nas palavras de Ferreira Leite, a Ministra das Finanças, orçamentou, sem despesa nem rubrica, um pouco mais de meio milhão de milhões de Euros em sede de OGE para 2014. Alegadamente e muito bem um ‘’saco azul’’.

 

A verba alcança em 2014 apenas metade do montante do ‘’saco azul’’ orçamentado em sede de OGE para 2012 por Vítor Gaspar. Entretanto, foram aprovados os orçamentos para 2013 e para 2014 e ninguém quis saber do paradeiro de mil milhões de Euros, que ficaram em balancete no défice público. A oposição deve ter adormecido ou esqueceu.

 

Em défice público - aquele ‘’saco azul’’ que já ninguém parece querer saber como é constituído - cabe tudo. O que é importante é que cresça e interessa a todos : à oposição para poder alegar que o governo é incompetente, ao governo para alegar que não conseguiu ainda fazer mais do que tentar consolidar o défice de longa duração herdado de José Sócrates.

 

Mas o curioso é que, ao fazer eclodir o alarido a propósito do ‘’saco azul’’ de Maria Luís, Manuela Ferreira Leite confessa que o novo ‘’saco azul’’ é despropositado e ascende ao dobro do montante do maior ‘’saco azul’’ que orçamentou no seu tempo.

Seja, Maria Luís tem agora um travesseiro, enquanto Manuela Ferreira Leite dormia sozinha e se servia de uma simples ‘’almofada’’.

 

É curioso registar que o termo ‘’almofada’’ para designar um ‘’saco azul’’ surge em 2004 quando Manuela Ferreira Leite ultrapassou a fasquia de duzentos milhões de Euros para o amortecimento eventual da sua queda. Não necessitou de recorrer ao ‘’saco azul’’, quem lhe amorteceu a queda foi Bagão Félix, que herdou o meio ‘’saco azul’’.

Na altura, João Cravinho referia-se assim ao ‘’saco azul’’ de Manuela Ferreira Leite.

 

‘’Portanto houve uma almofada como se costuma afirmar, que é extraordinária. Nunca se verificou na história das Finanças Públicas qualquer almofada desse tipo, aquilo não é uma almofada, é um colchão.’’

 

E acusava ainda a Ministra das Finanças de Durão Barroso de estar a tentar ‘’vender a dívida fiscal’’ para criar um ‘’saco azul extraordinário’’. As habilidades com a dívida vêm de trás.

 

Lendo hoje João Cravinho com atenção fico com a sensação de que o então deputado nem sabia bem do que falava e confundia dívida com crédito público, pois referia-se, sem dúvida, às dívidas ‘’irrecuperáveis’’ ao fisco e à segurança social. Uma espécie de ‘’activos’’ BPN, que têm entrado em contabilidade do défice público como ‘’passivos’’.

 

Ora, estou a desviar-me do meu propósito. Que era, primeiro do que tudo, manifestar a minha surpresa face à audiência que a oposição, em bloco, parece estar a dar a estes dois novos ‘’gurus’’, sem nunca assinalar que Ferreira Leite e Bagão Félix foram os ministros das finanças de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes.

 

Ao PS interessa também apanhar a boleia da direita ultramontana do PSD e do CDS, para as quais Passos Coelho dever parecer muito ‘’liberal’’. Por essa razão, falha-lhes a memória dos ‘’sacos azuis’’.

 

Deixo aqui e aqui memória para dois ‘’sacos’’ peculiares no âmbito da tradição portuguesa de ‘’sacos meios e sacos cheios’’.

 

Durante a minha infância a inquietação dos meninos era um tal ‘’homem do saco’’.  Isto é tudo um ‘’saco de gatos’’.

 

 

 

 

 

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21:16

Risco de eclosão de uma inesperada guerra intestina no mercado de trabalho.

O contencioso nasce no topo da pirâmide do mercado de trabalho qualificado, entre graduados antes e depois do ‘’protocolo de Bolonha’’. A iniciativa das hostilidades parte dos arquitectos mestrados antes de Bolonha.

O travar de razões vai decorrer nos espaços de recreio dos ‘’call center’’, entre dois breves intervalos para uma beata.

De novo, o sistema desloca as conflituosidades para a rua, onde as minorias e maiorias étnicas se confrontam.

 

Aqui replico o meu comentário numa página de ‘’facebook’ dedicada ao assunto.

 

 O debate desta questão, neste preciso ciclo da ‘’história’’ de Portugal, da Europa e em particular do sistema de ensino em Portugal, reveste-se, do meu ponto de vista, de um sentido particularmente oportuno e quase profético.

Começo por fazer um comentário.

Todas as reformas do sistema de ensino, tanto quanto me recorde, este apelo à memória é irónico, foram sempre da iniciativa dos seus anteriores beneficiários, qualquer que seja o ciclo a que respeita. Não me recordo também de uma só geração de beneficiários de um sistema de ensino que não se tivesse indignado contra uma geração reformista, por norma e hábito a sua.

 

Mas, de facto, tudo levaria a crer que as gerações que mais se deveriam indignar seriam as beneficiárias de uma dada reforma, às quais o novo horizonte e  perfil do sistema é apresentado compulsivamente. Resta notar que os beneficiários de uma dada reforma mal ainda iniciaram o seu ciclo de eleitores,  pelo que não podem ser considerados responsáveis pelos efeitos das opções feitas já pelos seus antecessores. De facto, as gerações beneficiárias de uma dada reforma do sistema seriam, à partida, aquelas que se poderiam considerar menos representadas nas opções de uma dada reforma, que foi iniciativa arbitrária das gerações precedentes, que se virão a manifestar lesadas pelos seus efeitos no seu estatuto.

Os senhores verão que com este comentário introdutório eu não pretendo legitimar a reforma em referência, nem as gerações que dela beneficiaram e beneficiam, nem o sistema que a promoveu, nem o regime de representatividade que a impôs.

Na verdade, as minhas preocupações são outras.

 

O primeiro objectivo assinalado na Declaração de 1999 reza explicitamente:

‘’Adopção de um sistema com graus académicos de fácil equivalência, também através

da implementação, do Suplemento ao Diploma, para promover a empregabilidade dos

cidadãos europeus e a competitividade do Sistema Europeu do Ensino Superior.’’

 

Atenção, senhores, este é o primeiro objectivo, não é o segundo nem o terceiro. É por ele que temos que aferir o perfil e o sentido do novo sistema de ensino superior vigente na União.

 

Numa linha de pensamento em que há muito vou insistindo, de novo mergulho num ‘’conceito’’ que mobilizou acriticamente pelo menos meia dúzia de gerações de beneficiários do sistema de ensino superior anteriores à reforma de Bolonha. LITERACIA.

 

Os agora críticos da reforma de Bolonha são as gerações formadas no quadro, ou no redil, do imperativo descritor LITERACIA. Foram os seus arautos, os seus promotores e os que ergueram os ditames da LITERACIA como modelo de aferição dos conhecimentos ou da ‘’cultura’’ operacional como dispositivo produtivo num dado sistema de mercado.

 

Assim colocada a questão, o debate será longo e seguirá o seu caminho. Por isso, vou tentar, brevemente, circunscrever alguns temas pelos quais, penso, se deveria iniciar.

 

Eu duvido de que, em 1999, alguns, mesmo poucos dos beneficiários do sistema de ensino superior pré-Bolonha, nomeadamente dos que agora se manifestam, tivessem consciência do que na verdade era a União Europeia, com a sua ideologia e perfil político predominante neo-liberal explícito, como espaço de reordenamento geo-estratégico do espaço de mercado global. A maioria talvez lhe cantasse louvores e talvez a maioria dos que estão aqui a manifestar-se ainda cantem.

Seja, a reforma de Bolonha visava, de acordo com os objectivos enunciados, promover a empregabilidade e a competitividade dos seus beneficiários. Obviamente não podia ser retroactiva, não podia retribuir aos anteriores beneficiários os anos a mais que tinham cumprido na sua formação, que, afinal, visava no essencial a empregabilidade.

Resta notar que a empregabilidade não é, no quadro da óptica liberal capitalista dos promotores da reforma, apenas nem principalmente um bem para os futuros empregados, mas um bem para a máquina produtiva.

 

O que é mais irónico, com toda a certeza, é que para castigo daqueles que cantavam loas à União Europeia, ao liberalismo e a outras ideias ‘’literatas’’ do programa e protocolo ideológico de Bruxelas, a empregabilidade, com ou sem mais ou menos literacia, ausentou-se do horizonte dos beneficiários do sistema de ensino superior, quer dos anteriores quer dos posteriores a Bolonha.

Então, o que me preocupa é que a crítica ao protocolo de Bolonha se centre na guerra étnica entre meia dúzia de gerações por acesso a mais justas e equilibradas vias e oportunidades de acesso à empregabilidade. De novo. Será uma guerra étnica com que o sistema contava e que utilizará como dispositivo ordenador do mercado de trabalho.

 

Resta referir, para posteriores desenvolvimentos, que, até o sistema entrar em crise, a componente estrutural da sua estratégia era a ‘’formação profissional’’, que já se propunha cobrir todas as áreas de ‘’conhecimento’’ e todos os ciclos de aprendizagem. O protocolo de Bolonha surge como uma antevisão e uma alternativa à falência da ‘’formação profissional’’.

Mas as gerações de beneficiários do sistema anteriores ao protocolo de Bolonha foram aquelas que mais benefícios tiraram da formação profissional, como formandos e como formadores.

 

Só para iniciar um debate.

 



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23:23

Os portugueses adoram jogo

por MCN, em 23.01.14

"Ex.mo Senhor Fulano

 

Sempre que solicitar a inserção do seu número de contribuinte na fatura, fica automaticamente habilitado ao sorteio.
A implementação do sorteio e-fatura reforça o relevante papel que todos os cidadãos têm no combate à economia paralela e à evasão fiscal.

 

José Azevedo Pereira.

Director Geral da Autoridade Tributária e Financeira."

 

O Senhor Director Geral não tem mãos a medir. Está a enviar a todos os beneficiários contribuintes uma mensagem por ‘’mail’’, da qual a citação acima é um extracto.

Espero que os contribuintes que receberem este ‘’mail’’ do Director Geral da Autoridade Tributária conservem ainda a cultura cidadã suficiente para conseguirem distinguir o que é o papel que compete aos cidadãos no combate à economia paralela e à evasão fiscal do apetite por um prémio eventual por cumprirem as suas obrigações fiscais.

 

Supondo que, num momento em que todos já terão entendido que as entidades de cobrança das contribuições fiscais dos portugueses são a mais paralela das economias em Portugal, os portugueses não se devem sentir vinculados a qualquer direito ou dever contributivo. Refiro apenas o jogo de especulação financeira a que as diversas entidades tributárias, incluindo a Segurança Social e a Caixa Nacional de Pensões se têm dedicado desde há umas décadas com os fundos contributivos.

Isso é que é um verdadeiro euromilhões para os responsáveis pela administração dos lucros auferidos pela aplicação financeira de risco dos deveres de cidadania dos portugueses.

De resto, as múltiplas plataformas das iniciativas paralelas dos portugueses são muito mais legítimas do que a economia paralela do Estado.

 

Os portugueses podem sempre associar-se e constituírem uma tômbola com os fundos que podem, com astúcia, reter das suas supostas obrigações e direitos fiscais.

Só o não farão se forem parvos.



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22:11

I.

O meu museu e o teu

 

Eu nasci em 1950 em Arganil, vila serrana da Beira Litoral interior.

Em Arganil era muito pouco frequente ver um forasteiro. Apareciam nos princípios de Setembro uns lisboetas, por ocasião das festas de Nossa Senhora do Montalto, que, na minha óptica de rapazola provinciano, vinham por causa das farturas, dos churros, do carrossel e dos carrinhos de choque.

Vinha também a comitiva do António Calvário e do António Mourão.

E vinham ‘’os brasileiros’’, emigrantes ricos recentemente regressados ao lar, ou de férias. Exuberantes, ostentando prosperidade e bem estar, eram talvez o que mais se aproximava da ideia que me tinham inculcado de turista.

Só em verdade entendi que os turistas não eram bem assim aos onze anos, quando saímos de Arganil uma manhã, de automóvel, os meus pais e cinco filhos, e acordámos duas manhãs depois em Paris.

Quando me espreguicei e limpei a ramela dos olhos, olhei pela janela do quarto do hotel e fiquei desolado. Era confrangedor. Aqueles eram supostamente os turistas que faltavam em Arganil. Tinha partido de Arganil para Paris entusiasmado. Ia finalmente ver turistas a sério.

Em Paris, em 1961, os turistas pareciam-me todos emigrantes ou refugiados argelinos.

Até sair de Arganil para Paris, tinha apenas saído para a Figueira da Foz e Buarcos onde passávamos, quando o meu pai não tinha que ficar fora durante as férias, um mês a banhos. Nessa altura, na Figueira da Foz, ainda só havia turistas no Grande Hotel ou no Casino. Mal se viam. Mau grado o esforço de António Ferro, os turistas da Beira ainda não iam aos fados.

Tinha também saído com o meu pai para Espanha durante alguns períodos, mas ir de Arganil para Espanha parecia-me sempre ir ao Piódão.

Os turistas mais turistas que conheci até aos meus onze anos foram a Vera Leisner, arqueóloga alemã que vinha participar nas campanhas de verão com o meu pai, e o Schubbart, um sujeito grande e gordo que comia as batatas fritas, o frango e o chouriço com as mãos e mergulhava depois na mesa de campo a desenhar numas folhas de papel milimétrico todas besuntadas.

Os trabalhos turísticos da Vera Leisner circunscreviam-se a, nos intervalos, atirar seixos para o rio ou para a ribeira e ficar a ver a ondulação concêntrica a espraiar-se. Desabafava então: ‘’Os alemães têm a suástica, os portugueses têm a espiral’’. Era assim que dizia mal dos portugueses.

O turismo uns anos depois estava, para mim, de resto, assim caracterizado. Os turistas eram uns sujeitos metediços que vinham de fora dizer mal de nós ou fazer chacota à nossa custa.

Quando chegou a minha vez de ir por aí fora com toda a liberdade como turista, para Frankfurt, Mainz, apenas já levava um destino turístico, Berlim, o outro lado de Berlim.

Como a minha passagem por Berlim não pôde durar mais do que uma noite e uma manhã, perdi-me então pelas catedrais alemãs.

‘’Die Rote Kapelle’’.

Bem, entrei no tema assim ironicamente, o estilo agora corrente de passeio pelas memórias intimistas, enquanto tento encontrar uma brecha por onde me esgueirar para atacar um tema perigoso, porque sei já que vou incitar à cólera todos os oportunistas.

 

Sempre tive a ideia de que Portugal nunca correspondeu nem respondeu de forma tão unânime e em uníssono às expectativas dos turistas como no final da década de 1950 e no início da de 1960.

O Portugal de 1958 era tal qual fora retratado pela Exposição do Mundo Português. Se cada rincão do Portugal remoto não pudesse corresponder a um cantinho da Praça do Império engalanada, deveria ser imediatamente riscado dos guias turísticos. Mas o ideal seria mesmo que os turistas pudessem viajar sem escalas e a alta velocidade da Praça do Império para Guimarães e de Guimarães para Vila Viçosa, um almejado propósito nunca alcançado.

Mas havia mesmo um grande número de turistas que se perdia no Cais do Sodré.

 

Ninguém ainda realizou um estudo profundo sobre a explosão da actividade turística em Portugal nos fins da década de 1960 e início da de 1970, tentando determinar as suas causas, o seu contexto e a alteração de paradigma.

Um grande número de emigrantes regressava a Portugal e aos seus ninhos de origem por todo o território, com uma grande incidência no interior remoto e no litoral deserto.

 

Num país em que o fenómeno concentracionista do tecido empresarial deixava sem grande alternativa o empreendorismo local, familiar e individual, em que já nem os ‘’patos bravos’’ sobreviviam face à arremetida avassaladora do J PIMENTA e outros, onde a concentração urbana alcançara taxas dramáticas, o turismo era uma salvação e uma redenção. Os emigrantes, para mais, traziam os meios financeiros para superar a falta de apoio estrutural.

Montar uma barraca de pau na praia para vender umas artimanhas culinárias na praia era um investimento de raiz ao alcance da bolsa de qualquer emigrante.

O turismo, o frango de churrasco e um nunca acabar de actividades subsidiárias.

 

Ora, foi o paradigma da actividade turística que explodiu na transição da década de 1960 para a de 1970 que impôs ao turismo, em Portugal, o modelo que jamais conseguiria sacudir do seu capote.

O património é desde então a soma dos cafés e torradas que vende. E este é o dilema do turismo e do património em Portugal.

 

No que respeita ao turismo doméstico é muito fácil entender porquê. Os portugueses não têm cultura ou ‘’literacia’’ para consumirem turismo cultural. Uma vez que a razão de ser do turismo cultural e do património é vender cafés e torradas, nunca elevou a cultura nem a taxa de ‘’literacia’’ dos portugueses de modo a que se tornassem consumidores de património e não de cafés e torradas. De resto, os portugueses consomem sobretudo vinho e coiratos, hábitos incompatíveis com a cultura museológica, ou museográfica, ou museofágica, museotrágica, como queiramos dizer.

 

De resto, perante a progressiva elitização do sistema de ensino em Portugal e a expectativa da redução da escolaridade obrigatória até à conclusão do pré escolar, ainda avaliaremos a sustentabilidade do sistema pelo movimento de caixa das cantinas e dos bares escolares.

 

É desta perspectiva, talvez muito pessoal mas que não consigo superar, que tento reflectir e partir para a formulação de um novo paradigma para novas definições de património e novas formulações da relação do consumidor com ele.

 

Resta-me um breve registo para deixar os pressupostos claros e bem assinalados.

Se a cultura dos portugueses e os seus hábitos culturais só puderem ser elevados na medida em que se elevar o seu consumo das indústrias culturais e turísticas, teremos a cultura dos portugueses captiva do sucesso dos agentes do ‘’marketing’’ e da indústria cultural.

 

Vou tentar conjecturar o panorama que me parece estar a desenhar-se. E assinalar todas as contradições hipócritas sobre que, hipocritamente, se constrói o novo paradigma da relação da comunidade com o seu património, cada vez mais usufruto de uns tantos para consumo da maioria.

É de resto este o pressuposto de ‘’indústria cultural’’. O de que a cultura, ou no caso o património, seja objecto de apropriação de uns quantos para consumo dos demais.

 

 

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19:09

 

Para lá de outros tópicos esquizofrénicos e dispersivos, como seja a expectativa de que Paulo Portas viesse agora dar uma explicação sobre o inexplicável, a palhaçada que montou no fim da Primavera e início do Verão do ano passado, passado no calendário mas presente na continuidade da torpeza das práticas políticas de todos, excluindo a novidade das rifas que fora programada e anunciada durante o ano passado, os temas mais preocupantes que podemos expedir no envelope do tempo breve em que decorreu o congresso do CDS/PP, mais PP do que CDS, são a conspiração corporativa entre magistrados e jornalistas contra o segredo de justiça e pelo segredo corporativo e a escolaridade obrigatória.

De resto, o congresso do CDS/PP foi a tentativa de ajuste de contas de Passos Coelho, que guardou no coração amargado a cedência que no Verão teve que oferecer a Paulo Portas a rogo do Presidente da República.

Com a sua posição consolidada na coligação, dispondo já de equivalência com o PSD na distribuição de tachos e panelas, de benesses e isenções, o CDS de PP passou há muito do discurso que partilhou durante três anos ou quatro com a oposição e os movimentos de revolta social, nomeadamente os anarquistas, e pode retomar com toda a liberdade e sem preconceitos as suas opções salazarentas.

O congresso do CDS PP foi o contexto de confronto entre PP e PPC, com a vitória retumbante de PP e Nuno Melo que deixou muito claro a AC que quem quer tacho amocha. O pelotão de operações especiais que PPC enviou ao congresso do CDS a fim de assegurar as posições a custo conquistadas desde o Verão de 2013 foi derrotado sem apelo.

Mas isso é lá com eles. O que tem caracterizado a falta de cultura cidadã dos portugueses é na verdade esta tendência de deslocar os próprios problemas para casa do vizinho.

 

Vamos pois, por hoje, à questão da escolaridade obrigatória.

Um dos mais dinâmicos tópicos de debate no contexto do que parecia poder ter sido última grande reforma do sistema educativo, que decorreu após a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, no âmbito do estabelecido no Artigo 60 que estabelecia um prazo de dois anos para que o governo apresentasse um programa de Desenvolvimento e de reforma do sistema educativo, dos trabalhos da Comissão de reforma do Sistema Educativo e da contribuição do Instituto de Inovação Educacional, foi sem dúvida o que decorreu em torno da escolaridade obrigatória.

É também sabido que na opinião dos resistentes do movimento de reflexão e debate que, durante os anos de 1989, 1990 e 1991 a levaram aos níveis mais aprofundados, a Lei de Bases de 1997 liquidava todos os pressupostos da Lei de 1986 e instituía derradeiramente um sistema monocurricular que resgatava o sistema educativo como extensão reprodutiva do modelo sócio-económico liberal do estado.

No centro do debate esteve então, por impulso de alguns, mesmo que isolados e em contra corrente, a enunciação do princípio aglutinador de que, no horizonte e âmbito de um paradoxo da democracia, que estabelecia como obrigatória a escolaridade, havia que assegurar que por arrasto da obrigatoriedade da escolaridade não se consumasse, irreversivelmente, a obrigatoriedade e a imposição de um dado modelo de escolaridade, de educação e de ensino.

Haveria que assegurar, primeiro que tudo, um modelo amplamente diversificado não apenas de estrutura curricular e de ofertas curriculares, mas sobretudo de fins, propósitos e contextos de inserção de significado da escolaridade no indivíduo ou na comunidade cultural em que se insere. E essa era a única forma de resolver uma questão também ela nuclear, que era a da inclusão, porque a escolaridade obrigatória, parecendo inclusiva, era de facto a mais profunda causa de exclusão quando, dada a sua universalidade curricular, era rejeitada.

É hoje óbvio que, graças a um processo programado de intoxicação das mentalidades e da opinião pública, usando vários mecanismos como o da conflituosidade étnica dentro do sistema, que cavalgava a posição oportunista e etnocentrista de sujeitos e grupos, o sistema mobilizou professores, pais, alunos e comunidades de inserção em torno das suas propostas curriculares e hoje estas questões se representam na escola e na comunidade como extravagâncias, ou simplesmente ‘’eduquês’’.

É neste contexto de cumplicidades oportunistas entre professores, pais, alunos e o sistema, de consolidação de uma escola que tenta periclitantemente cumprir os interesses de cada um, que o CDS vem agora propor a redução da escolaridade obrigatória, alegando a liberdade.

Até parece que não conhecemos o histórico da intervenção do CDS e dos professores reaccionários que lhe traçam o perfil no sistema. Eles foram os grandes arautos da cruzada contra a inclusão, explorando todas as conflituosidades étnicas no sistema, de brancos contra pretos, de pretos contra brancos, de brancos e pretos contra ciganos.

Eles foram os maiores defensores dos currículos elitistas, no contexto da escolaridade obrigatória, que motivavam a rejeição, a exclusão classista e o controlo da ideologia do sistema pelas elites sociais.

Como é possível que hoje o CDS reclame a redução da escolaridade obrigatória apresentando-se como o campeão das liberdades?

Não estou de forma nenhuma surpreendido. Vivemos em Portugal, no país onde Nuno Crato mobilizou, apelando ao oportunismo, todos os segmentos do sistema para a cruzada contra o ‘’eduquês’’, que mais não era do que o tópico que reunia todos em torno de uma escola monolítica, com uma estrutura curricular cada vez mais restrita, polarizada em torno da ideologia liberal do saber, mais exclusiva, mais tecnocrata, em que as ciências da educação, a pedagogia e o pensamento pedagógico eram um empecilho.

A escola dos manuais, do controlo de produção, de cronometria dos processos produtivos, em que os professores são sobretudo avaliados pela capacidade de administrar no tempo a maior quantidade de conteúdos e saberes repetitivos possível. A escola dos manuais e da indústria gráfica e editorial didáctica.

Ora. Esta é a escola que serve os interesses corporativos dos professores, porque é a escola onde é mais fácil ensinar. É a escola dos professores mercenários.

 

Mas há uma questão que ninguém coloca ao CDS. Assumido já no sistema educativo português o papel curricular estruturador do pacote de saber mínimo indispensável denominado ‘’literacia’’, como irão as empresas e os denominados ‘’empregadores’’ resolver um dilema?

Está esquematicamente definido o pacote mínimo de ‘’habilitações’’ requerido no acesso ao emprego, referido à escolaridade obrigatória.

Que fazer agora? Excluir do emprego a maioria dos portugueses que optem por reduzir a sua escolaridade ao mínimo redefinido pela proposta do CDS?

Ou reduzir as condições mínimas de empregabilidade aos máximos obrigatórios da escolaridade reduzida?

É uma boa solução para o problema do desemprego. Daqui a uns anos dir-se-á que os portugueses não têm emprego porque não cumprem a escolaridade mínima exigida pelos ‘’empregadores’’. Reactiva-se então a formação profissional a custo dos fundos de reequilíbrio europeu.

Sejamos sérios. O CDS é hipócrita quando alega a liberdade para reduzir a escolaridade.

Mas todos vós fostes hipócritas quando legitimastes, por oportunismo, a escola curricular e exclusiva, como contexto de inserção da escolaridade obrigatória.

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21:15

Acerca ainda do debate suscitado pela apresentação pública do relatório da Procuradoria Geral da República sobre a violação do segredo de justiça, importa dizer:
Os jornalistas, por norma, não violam o segredo de justiça. Pura e simplesmente mentem, ou criam notícia, insinuando ou sugerindo que violam o segredo de justiça.
''Segundo fonte bem informada''... ''revelamos em primeira mão''...
Fonte bem informada? O que é uma fonte bem informada, no âmbito de um processo judicial?
No âmbito de um processo judicial, uma fonte bem informada é um magistrado!
O sistema judicial convive com esta obscenidade ou porque lhe é conveniente violar o segredo de justiça ou, o que me parece mais provável, lhe interessa que os jornalistas criem factos com estatuto judicial.

Qualquer informação recolhida no âmbito da investigação ou dos procedimentos processuais é segredo de justiça até constar de pronúncia de acusação ou de conclusão de processo de instrução.

O sistema judicial não entenderá que as suspeitas de manipulação que recaem sobre os jornalistas se tornam, no âmbito desta ambiguidade, extensivas aos magistrados?

Cautela. Não podemos assistir de braços cruzados, em Portugal, à derrocada das instituições da República.


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21:52

E o Caso BCP...

por MCN, em 05.01.14

Há momentos em que para colocarmos a recato a nossa dignidade devemos ter o cuidado atento e diligente de nos demarcarmos das mais torpes formas de suposta denúncia.
Devo notar que me sinto frequentemente abatido sem remissão, quando constato quão poucos conseguem já manter uma vigilância serena sobre a forma como os orgaos de comunicação social, sobretudo aqueles que são despudoradamente os ''pivots'' do regime, arrastam as multidões atrás de parangonas que encobrem, apenas, a real dimensão e gravidade dos problemas.
A comunicação social tem gozado, suportada mesmo por ambiguidades legais, do privilégio de tratar da vida privada dos cidadãos com os mesmos critérios com que trata a vida e as responsabilidades públicas. Não distingue os negócios privados dos públicos. E, ao focar a atenção nos negócios privados, desfoca-a dos negócios públicos, que são aqueles que, em primeira instância, requerem a nossa atenção e vigilância.
Os negócios privados interessam-me quando se servem da cobertura do exercício de funções públicas, ou quando violam, liminarmente, a ordem, a ética e a justiça social.
Se a forma como este assunto é tratado nesta notícia do Diário de Notícias não é torpe, obscena, mesquinha e não denota um espírito inquinado de má fé e de oportunismo demagogo, eu desisto da minha cidadania.
Eu já propus e fundamentei que o caso BCP foi tanto ou mais fraudulento do que o caso BPN, que se tornou o cúmulo da fraude após a ''nacionalização''. Mas no que respeita aos mecanismos de auto financiamento de ''gangs'' domésticos, concedendo-lhes créditos para espoliar capital social, o caso BCP é tanto ou mais fraudulento do que o caso BPN e os seus efeitos podem ter sido muito mais drásticos sobre o sistema.
E podemos alegar que o caso BCP, como não foi nacionalizado, ficou em cicatriz mas sanado. Santa ingenuidade. E as recapitalizações?
Mas está bem. Do caso BCP ficam as acções da Paula Teixeira da Cruz. Como do caso BPN, para o Diário de Notícias e CM, ficam as acções de Cavaco e de Machete.


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21:56


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